Opções de pesquisa
Página inicial Sala de Imprensa Notas explicativas Estudos e publicações Estatísticas Política monetária O euro Pagamentos e mercados Carreiras
Sugestões
Ordenar por
Luis de Guindos
Vice-President of the European Central Bank
  • ENTREVISTA

Entrevista ao jornal Expresso

Entrevista de Luis de Guindos, vice-presidente do BCE, realizada por João Silvestre em 9 de setembro

16 de setembro de 2022

Na semana passada, após um aumento de 0,75 pontos percentuais das taxas diretoras, Christine Lagarde disse que “ainda estamos muito longe da taxa que nos ajudará a trazer a inflação de volta a 2%”. Quer isso dizer que podemos ter uma nova subida de 75 pontos base na reunião de outubro, como os mercados parecem já estar a antecipar?

É muito difícil compreender as nossas decisões sem olhar para as projeções, que acabaram de ser atualizadas e contêm diferentes cenários: um cenário de base e um cenário pessimista. A inflação está muito alta – o último valor é de 9,1% para a área do euro – e as nossas projeções indicam que continuará elevada durante o resto do ano. Acabará por descer, mas ainda se manterá acima do nosso objetivo de 2% a médio prazo. Em 2024, projeta-se que a inflação seja, em média, de 2,3% na área do euro.

A inflação é o principal fator em que temos de nos centrar, tal como fizemos quando decidimos aumentar as taxas em 75 pontos base. A incerteza é muito elevada. Teremos em consideração os dados e seguiremos uma abordagem reunião a reunião na definição das taxas de juro. Não nos comprometeremos antecipadamente. Queremos ter flexibilidade e margem de manobra na tomada de decisões.

Quando Christine Lagarde diz que estamos ainda longe do nível de taxas de juro necessário para baixar a inflação, significa que teremos de chegar mais rapidamente a essas taxas ou que o nível das taxas de juro terá de ser superior?

A realidade é que a inflação se situa atualmente em 9,1% e o nosso objetivo é 2% a médio prazo. A diferença é grande. Foi por isso que começámos a normalizar a nossa política monetária. Não temos estimativas no Conselho do BCE sobre o nível final das taxas – o nível máximo até onde podem subir – ou sobre a taxa neutra – a taxa que equilibra a economia com uma situação de pleno emprego e uma inflação estável. Ainda não decidimos nada. No entanto, como a presidente Christine Lagarde indicou, poderão ocorrer mais aumentos nos próximos meses – quantas vezes e em que medida dependerá fundamentalmente dos dados – e o que sublinhamos é a nossa completa determinação em fazer a inflação convergir para a nossa definição de estabilidade de preços.

Quando acha que voltaremos a ter uma inflação de 2%?

De acordo com as nossas projeções, em 2024, estaremos um pouco acima do nosso objetivo, com uma inflação média de 2,3% na área do euro. No cenário pessimista, que contempla um corte completo do gás da Rússia, a taxa seria de 2,7%. É uma taxa bastante alta. Esperamos que a inflação comece a descer para uma média de 5,5% em 2023, que ainda é muito. Existe um elevado nível de incerteza e a evolução da invasão russa da Ucrânia também desempenhará um papel importante. É por isso que queremos manter a flexibilidade o mais ampla possível para poder reagir a este tipo de situação.

Alguns críticos acusam o BCE de ter sido lento a reagir à subida da inflação. Como responde a essas críticas, tendo em conta que, como disse, a inflação se encontra muito acima do objetivo de 2%?

Iniciámos o processo de normalização da política monetária em dezembro, quando decidimos definir uma data de termo dos nossos programas de aquisição de ativos: o programa de compra de ativos devido a emergência pandémica (pandemic emergency purchase programme ‒ PEPP) e o programa de compra de ativos (asset purchase programme ‒ APP). As projeções nos últimos 12 meses subestimaram a evolução da inflação. Tal verificou-se não apenas no BCE, mas também em outras instituições internacionais. A pandemia perturbou gravemente o funcionamento normal da economia, tal como outros eventos difíceis de antecipar, como a guerra na Ucrânia. Assim que corrigimos o hiato entre as previsões e a realidade, reagimos. Agora, é importante olhar para a frente. Compreendemos muito melhor os motores da inflação, a interação entre os fatores da oferta e da procura e a necessidade de evitar efeitos de segunda ordem. É crucial para nós manter as expectativas de inflação ancoradas e controladas.

O BCE está agora no caminho certo para controlar a inflação?

A política monetária é um instrumento que produz efeitos com um certo desfasamento temporal. Dependendo do país e do mecanismo de transmissão da política monetária, pode demorar entre 12 a 24 meses. As expectativas de inflação são, porém, algo que podemos influenciar muito rapidamente. Por conseguinte, o que importa são os sinais que estamos a dar: em primeiro lugar, que o BCE está totalmente empenhado em reduzir a inflação em conformidade com o nosso objetivo de 2% a médio prazo e, em segundo lugar, que devemos evitar efeitos de segunda ordem na inflação.

A unanimidade da decisão da semana passada é um sinal de que agora, no BCE, estão todos a remar no mesmo sentido e partilham a preocupação com o atual nível de inflação?

Somos 25 no Conselho do BCE. Há sempre sensibilidades diferentes, mas, no final, todos aprovámos a subida de 75 pontos base. Existe uma posição unânime quanto à necessidade de manter a nossa credibilidade e ao nosso empenho em reduzir a inflação em consonância com o nosso objetivo.

O cenário pessimista das projeções do BCE aponta para uma recessão na área do euro em 2023. Quão provável é esse cenário?

O cenário pessimista pressupõe um corte completo do fornecimento de petróleo e gás à área do euro, uma guerra prolongada na Ucrânia e incerteza adicional. Esta é a principal diferença em comparação com o cenário de base, que sinaliza o atual elevado nível de incerteza. O cenário pessimista resulta numa recessão de -0,9%, com um nível de inflação próximo de 7% em 2023. É um cenário muito duro para a área do euro. Embora a situação que temos agora seja difícil, caso o cenário pessimista se concretizasse, seria consideravelmente pior para as famílias e as empresas.

A possibilidade de uma recessão restringe a política monetária ou, dado o atual elevado nível de inflação, o BCE não tem outra alternativa a não ser subir rapidamente as taxas de juro?

O abrandamento da economia, por si só, não “resolverá” a inflação. Precisamos de continuar a normalizar a política monetária. É algo que toda a gente tem de perceber. As forças subjacentes ao abrandamento da economia são muito semelhantes às que estão a fazer subir a inflação. Temos um choque da oferta que reduz o crescimento e simultaneamente eleva a inflação. O que queremos evitar é uma situação semelhante à da década de 1970, que também começou com um choque energético, seguido de efeitos de segunda ordem que tornaram a situação muito pior. A economia mundial está numa situação diferente agora, mas é algo que temos de ter em consideração. Deixe-me dizer isto de forma muito clara: o abrandamento da economia reduzirá as pressões do lado da procura, o que fará baixar a inflação. Contudo, simultaneamente, temos de agir da perspetiva da política monetária para manter as expectativas de inflação ancoradas e evitar efeitos de segunda ordem.

O presidente do Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos, Jerome Powell, declarou recentemente que o aumento da restritividade da política monetária poderá ser difícil para as famílias e as empresas. É inevitável que tal também aconteça na área do euro? É o preço a pagar para travar a inflação?

O nível de inflação que temos agora na Europa já está, indiscutivelmente, a causar dificuldades. No meu entender, a mensagem de Jerome Powell é que teremos de tomar decisões para reduzir a inflação, as quais poderão ser penosas a curto e médio prazo, mas positivas para os cidadãos a longo prazo.

A presidente Christine Lagarde apelou aos governos para não adotarem medidas que alimentem a inflação. Porém, muitos países estão a tomar medidas de apoio às famílias e às empresas para lidar com os preços da energia e a inflação. Há o risco de a política orçamental acabar por ter o efeito contrário ao pretendido pela política monetária?

A política orçamental está nas mãos dos governos e da Comissão Europeia, não nas mãos do BCE. A nossa avaliação é bastante clara: a política orçamental deve ser seletiva, direcionada e temporária. Sabemos que a inflação causa muitas dificuldades, em particular às famílias com rendimentos baixos. Por isso, é muito importante que a política orçamental desempenhe um papel no alívio das dificuldades infligidas pela inflação a estes grupos vulneráveis. O BCE acolhe favoravelmente essas medidas, mas não deve ser adotada uma política orçamental expansionista.

Há outra questão relacionada com o choque energético, que tem gerado alguma discussão entre economistas: se estas medidas de redução dos preços dos produtos energéticos acabam por aumentar a procura, contrariamente ao que se pretende. Considero que reduzir a procura de energia na Europa é o melhor instrumento para reduzir a dependência da Rússia.

A fragmentação ainda é um risco ou, com o anúncio do Instrumento de Proteção da Transmissão e o reinvestimento dos reembolsos de obrigações vincendas, já não é um problema?

Até agora, não vimos grandes sinais de fragmentação na Europa. Os spreads apresentam-se controlados, quando nos encontramos no processo de normalização da política monetária, e as curvas de rendimentos estão a subir. A fragmentação é algo que iremos combater, porque prejudica a transmissão das nossas decisões de política monetária. É uma posição unânime tomada por todo o Conselho do BCE. Para o efeito, temos dois instrumentos. Primeiro, temos a flexibilidade introduzida no reinvestimento dos reembolsos no âmbito do PEPP, que está agora a ser usada. Segundo, temos o Instrumento de Proteção da Transmissão, que permitirá aquisições de obrigações em jurisdições com uma deterioração das condições de financiamento não justificada à luz dos fundamentos económicos específicos do país. Com estes dois instrumentos, indicamos muito claramente que não permitiremos movimentos desordenados, indevidos e injustificados nos mercados de obrigações soberanas, caso representem uma ameaça para a transmissão da política monetária.

O Instrumento de Proteção da Transmissão está pronto a ser usado, se necessário?

Sim, estamos preparados para o aplicar.

Como determina o BCE se uma taxa de rendibilidade se desviou do que seria o normal?

Dispomos de um conjunto de indicadores e de diferentes elementos relacionados com as condições financeiras nos países, não apenas os títulos de dívida pública, para nos ajudar a perceber se as taxas de rendibilidade são, ou não, justificadas. Não existe uma resposta automática, será sempre necessária uma avaliação pelo Conselho do BCE.

O Governo português tem sido muito cauteloso na resposta à inflação este ano por causa do peso da dívida pública no produto interno bruto (PIB). Há quem ache que devia gastar mais. Concorda com a abordagem do Governo português?

A economia portuguesa recuperou bem, tendo ultrapassado os níveis anteriores à pandemia no início do ano. As nossas projeções de junho indicavam uma taxa de crescimento 6,3% este ano e 2,6% em 2023. Provavelmente, estes valores desceram um pouco, devido à deterioração geral da economia. A economia portuguesa apresenta-se, porém, globalmente robusta, com uma taxa de desemprego inferior à média da área do euro. Nesse sentido, as perspetivas para a economia portuguesa são melhores do que para outros países. Quando olhamos para os indicadores da política orçamental, os níveis da dívida pública são elevados, mas a situação no caso do défice (nominal e estrutural) é bastante positiva. Os valores são muito bons, ainda que, em parte, tal tenha a ver com o facto de a inflação contribuir para aumentar a receita pública este ano. Não me compete comentar as decisões políticas de um país. Contudo, na minha perspetiva, a política orçamental de Portugal é prudente e sensata. Cria margem de manobra para apoiar os grupos mais afetados pela inflação e pelo abrandamento da economia.

Considera que o aumento da restritividade da política monetária pode colocar dificuldades aos bancos

Penso que não devemos olhar para a maior restritividade da política monetária como único fator. O aumento das taxas de juro é positivo para as margens dos bancos europeus – incluindo os bancos portugueses – mas, ao mesmo tempo, devemos ter em mente que afeta também os custos de financiamento dos bancos. Além disso, não devemos ignorar o abrandamento da economia, que conduzirá a imparidades de ativos e mais incumprimentos. O ponto de partida dos bancos europeus e portugueses em termos de capital e liquidez é bom, mas não devemos ter ilusões de que a subida das taxas de juro resolverá o problema da rentabilidade dos bancos portugueses e europeus.

A taxa de câmbio do euro é uma preocupação para o BCE?

Não temos um objetivo para a taxa de câmbio, mas é algo que acompanhamos com muita atenção. A depreciação do euro teve um impacto negativo no custo da energia em euros. Uma nova depreciação do euro poderia agravar as pressões inflacionistas. Pelo contrário, travar a depreciação do euro poderia ser positivo e ajudar a combater a inflação. Espero que a recente tendência de depreciação seja invertida no futuro próximo.

CONTACTO

Banco Central Europeu

Direção-Geral de Comunicação

A reprodução é permitida, desde que a fonte esteja identificada.

Contactos de imprensa